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História do Casamento

Doris Stoehr Vieira de Souza – Psicóloga – CRP 08/04871

        Muito se fala sobre casamento. Em várias áreas encontram-se teorias bastante interessantes sobre este tema. Nada como começar pela filosofia. FOUCAULT afirma que o casamento é “coisa natural” e que essa “naturalidade” do casamento “tinha sido habitualmente fundamentada sobre uma série de razões; o encontro indispensável do macho e da fêmea para a procriação; a necessidade de prolongar essa conjunção numa ligação estável para assegurar a educação da progenitura; o conjunto de ajudas, comodidades e prazeres que a vida a dois, com seus serviços e suas obrigações, pode proporcionar; e, finalmente, a formação da família como o elemento de base para a cidade” (FOUCAULT, 1997, p. 12). Ainda recorrendo à filosofia, Musonius acentua a finalidade “comunitária” do casamento. Para ele, a procriação é importante mas por si só não justifica o casamento uma vez que homem e mulher poderiam se unir, procriar e logo se separar. Se isto não ocorre é pelo fato de ser indispensável a vida em comunidade. Um companheirismo de vida em que se trocam cuidados recíprocos, em que se rivaliza em atenção e benevolência um com o outro, e onde os dois cônjuges podem ser comparados aos dois animais de uma equipagem que não avança se cada um olhar na própria direção. (FOUCAULT, 1997, p. 13 – 14) Hierocles concorda com esta idéia de Musonius onde afirma que os seres humanos são feitos para viver a dois e para viver também na multiplicidade.
        O homem é ao mesmo tempo conjugal e social: a relação dual e a relação plural são ligadas. Hierocles explica que uma cidade é feita de casas que constituem seus elementos; mas que, em cada uma, é o casal que constitui, ao mesmo tempo, o princípio e o termo; de modo que uma casa só é completa se for organizada em torno do casal. (FOUCAULT, 1997, p. 17) Segundo a ótica da filosofia o homem enquanto ser vivo racional e enquanto indivíduo, é um ser conjugal.
        Os costumes ligados ao casamento variaram muito através dos tempos. A instituição matrimonial surgiu a partir dos “ritos de iniciação que marcavam a passagem da infância para a idade adulta. Nos povos primitivos tais ritos geralmente culminavam com a cerimônia do casamento” (OSORIO, 2002, p. 30). De acordo com OSORIO (2002, p. 30), desde que apareceu a noção de propriedade, o casamento sempre esteve relacionado com a ideia de transação ou troca. Primeiramente a troca física, uma mulher por outra, ou seja, se um homem queria se casar oferecia sua irmã, sobrinha ou serva em troca de uma noiva, assim nem o pai da noiva e nem o noivo ficariam sem alguém para realizar os afazeres domésticos. Depois essa troca física foi substituída pelo equivalente em bens ou dinheiro. LEVI-STRAUSS (1982, p. 519) afirma que: Seja em forma direta ou indireta, seja em forma global ou especial, mediata ou postergada, explícita ou implícita, fechada ou aberta, concreta ou simbólica, é a troca, sempre a troca, que aparece como base fundamental e comum de todas as modalidades da instituição matrimonial. Ou seja, através desta troca de mulheres, cada grupo dá e recebe outras possibilidades de sobrevivência, ao mesmo tempo em que estabelece relações de interdependência entre os próprios grupos (SARACENO e NALDINE, 2003, p. 126). E aí surge outra função da instituição casamento: a de aliança entre grupos.
        Nas sociedades de organização patriarcal passou-se a comprar a noiva, ou seja, a mulher era tratada como mercadoria e passa a ser propriedade do marido. Segundo LEVI-STRAUSS (1982, p. 76) “para admitir a equiparação das mulheres aos bens, de um lado escassos e de outro essenciais à vida do grupo, não é preciso evocar o vocabulário matrimonial da Grande Rússia, onde o noivo é chamado “o negociante” e a noiva “a mercadoria”. Surge então o dote, onde se indeniza o noivo ou sua família pelos custos posteriores com a manutenção da esposa (OSORIO, 2002, p. 31). Essas situações foram formas de contrato matrimonial. O casamento sai da esfera místico-religiosa para a do direito civil quando passa a estar subordinado a interesses ligados à propriedade de bens materiais ou patrimoniais.
        Segundo OSORIO (2002, p. 31): A partir da Idade Média, e por muitos séculos, houve, no mundo ocidental, uma acirrada disputa entre o Estado e a Igreja para determinar a quem caberia a prerrogativa de estabelecer o contrato nupcial. Só a partir do advento da Era Contemporânea o poder laico e o religioso passam a exercer sem maiores conflitos suas respectivas esferas de influência nas questões atinentes à instituição do matrimônio. Na Europa, a partir do século XII, o controle do casamento passa do Império (da legislação civil) para a Igreja. Nesta época se inicia a discussão sobre a sacramentalidade do casamento.
        A intervenção da Igreja na regulamentação do casamento é de suma importância para a definição da forma matrimonial no ocidente. O Concílio de Trento é a marca deste fator e aponta uma linha de divisão de águas. SARACENO e NALDINE (2003, p. 131) afirmam que: Se antes parecia predominar, por parte da Igreja e do sacerdote, uma função de testemunha do livre consentimento dos noivos, depois do Concílio o sacerdote surge cada vez mais como aquele que “faz” o casamento, para além do fato de, em termos sacramentais, serem os noivos os seus ministros: a ponto de transformar o livre consentimento num ato já não reversível, nem mesmo através de outro ato já não reversível, nem mesmo através de outro ato de livre escolha. O casamento de “indivíduos livres” torna-se assim indissolúvel. O rito matrimonial torna-se por isso mais importante do que a expressão do consenso. Além disso, são introduzidas as publicações, e o espaço de tempo entre a afixação destas e a celebração do casamento permite quer à Igreja quer à comunidade o exercício do seu controlo sobre o casal, verificando eventuais impedimentos e sancionando assim a escolha do casal como ato público. O Estado então procura substituir a Igreja na regulamentação do casamento, ressaltando a contratualidade por um lado e a relevância civil, ou seja, arranjos de patrimônio e hereditariedade por outro.
        Surge o Código Civil Napoleônico na Europa onde o casamento, “contrato entre indivíduos livres, é antes de mais um contrato patrimonial, que funda uma hierarquia precisa entre os sexos, em nome, precisamente, da unidade patrimonial da nova família, com base no novo valor atribuído ao indivíduo-homem, proprietário” (SARACENO e NALDINE, 2003, p. 132). Ainda segundo SARACENO e NALDINE (2003, p. 132 – 133): Aqui a irreversibilidade do consenso não diz respeito tanto à irreversibilidade do vínculo, quanto à irreversibilidade da dependência da esposa como resultado da sua livre escolha ao contrair o vínculo conjugal. Sociedade de indivíduos-cidadãos, a sociedade burguesa é antes de mais sociedade de chefes de família, em que os homens se desvinculam tendencialmente da tutela parental (e da tutela da Igreja, na medida em que o casamento civil e religioso são distintos), mas as mulheres podem exercer formalmente a própria liberdade apenas no momento da passagem de uma tutela (do pai) para outra, (do marido). A partir daí essas duas formas de regulamentação do matrimônio passam a se apoiar, com o objetivo de organizar a sociedade burguesa, ou seja, distinguir as responsabilidades públicas e responsabilidades privadas, que ainda hoje marcam nosso modo de pensar e nossas relações familiares, de casal, com a sociedade e o estado. Muitas foram a formas de constituir as estruturas familiares. Variaram muito de povo para povo, sofrendo as influências do tempo, do meio social e da moral de cada época.
        REFERÊNCIAS  FOUCAULT, M. A mulher / os rapazes: História da sexualidade. Trad. Maria Theresa da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.LEVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Trad. Mariano Ferreira. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.OSORIO, L. C. Casais e Famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.SARACENO, C. e NALDINE, M. Sociologia da família. Trad. Isabel Teresa Santos. 2 ed. Lisboa: Estampa, 2003.

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