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Mitos Associados ao Casamento
Doris Stoehr Vieira de Souza – Psicóloga – CRP 08/04871
O filósofo ERNEST CASSIRER foi o primeiro a dedicar-se ao estudo dos mitos, fazendo conexões entre estes e a linguagem. Neste contexto, mitologia significa o poder da linguagem sobre o pensamento, “em todas as esferas possíveis da atividade espiritual, sendo este mundo compreendido como o mundo das representações e dos significados” (KROM, 2000, p. 25).
Nas sociedades primitivas o mito originou-se das próprias histórias contadas como verdadeiras porque falavam da realidade. Adquiriam um caráter sagrado e serviam de base para estas sociedades. CAMPBELL, um estudioso contemporâneo da mitologia vê a criação do mito ligada às fases transicionais do desenvolvimento humano. Em diferentes momentos históricos, “reconhece o mito como metáfora da potencialidade espiritual do ser humano, que se apresenta como um canal de comunicação que está além do próprio conceito de realidade, transcendendo todo pensamento” (KROM, 2000, p. 27). Para ele os “mitos são sonhos coletivos e não devem ser tomados literalmente. Eles são metáforas”. (KELEMAN, 2001, p. 07). Também traz a origem da figura mítica, ou do herói, enfatizando que este é um homem que superou suas limitações, morreu como homem normal e renasce como homem eterno e universal. De acordo com KROM (2000, p. 27): Ao comparar mitologias de sociedades específicas, este profundo estudioso afirma que os grupos geram mitologias específicas de temas que podem ser universais, como as fases de transição no ciclo de vida. Assim, existem mitos que falam de nascimento, da adolescência, do casamento e da morte.
Na área da Psicologia, FERREIRA é o primeiro psicoterapeuta a estudar a mitologia, e reconhece o mito em uma função defensiva na família. Define-o como crenças que são sistematizadas e compartilhadas por todos os membros da família. Essas crenças não são contestadas apesar de incluir distorções evidentes da realidade. Pesquisadores da Escola de Milão, uma escola de terapia familiar, reconhecem o mito como um fenômeno sistêmico com a função de manter a homeostase do grupo. Também ressaltam a transmissão intergeracional do mito, afirmando que ele se transmite, modelando os filhos que nascem desse grupo ao longo das gerações. MAURIZIO ANDOLFI, terapeuta italiano, considera o mito como possibilidade de transformação e como um conjunto de realidades em que existem ao mesmo tempo elementos reais e de fantasia. Servem à família de acordo com a sua realidade e atribuem a cada membro um papel e destino bem precisos. (KROM, 2000, p. 27 – 29)
No que diz respeito aos mitos associados ao casamento, com o reconhecimento do sentimento do amor como base do sacramento do matrimônio, surge a necessidade da realização amorosa e junto com isso vários mitos, como o Mito da Busca da Unidade Perdida (KROM, 2000, p. 56). O outro é o responsável pela realização dos sonhos do parceiro.
ANDOLFI (2002, p. 16) afirma que homens e mulheres herdam diferentes mitos a respeito do casamento. Enquanto as mulheres ainda se fascinam com as histórias da Cinderela, da Bela Adormecida, Branca de Neve entre outras, ou seja, que viverão felizes para sempre, para os homens há duas possibilidades míticas: ou será o “senhor do castelo” ou será nele aprisionado. Surgem então os mitos da felicidade associados ao casamento com base no amor romântico e representados pela célebre frase “casaram e viveram felizes para sempre…”. De acordo com ANTON (2002, P. 32) ainda hoje, em pleno século XXI para muitas pessoas o que justifica o casamento é esse amor apaixonado, idealizado, absoluto. E é o que também justifica o grande número de divórcios e recasamentos resultantes das frustrações vividas. Para a autora, com o passar do tempo a sociedade passou a denunciar esse mito tão citado nos contos de fadas: Não há príncipes nem princesas capazes de, ao se encontrarem, dissolver todos os sofrimentos passados, tornando-se, enfim, felizes para sempre. Casamento arranjados dessa maneira também parece terem sido banidos, pois a felicidade eterna não foi capaz de se sustentar. Fica um vazio e a necessidade de preenchê-lo. Diversos movimentos tentaram erguer bandeiras, apontando novos rumos e novas soluções para um expressivo número de seguidores. (ANTON, 2002, p. 69)
E aí aparece o “Mito do casal XX”, que vem suprir o vazio da insatisfação do mito “foram felizes para sempre”. Neste novo mito se admitem conflitos que precisam ser resolvidos, mas o amor fala mais alto. Tenta-se se encaixar no casamento dito “perfeito”, numa suposta aliança ideal. Para se encaixar neste mito, ambos os parceiros reprimem e negam seus conflitos, “mascaram ou projetam a responsabilidade sobre eles e o fazem isso inconscientemente”. (ANTON, 2002, p. 70) De acordo com RELVAS (1996, p. 39) relacionado com este paradigma do “amor romântico” e com os mitos de felicidade, aparecem um conjunto de mitos associados ao casamento: “O nosso amor, o desejo, a paixão, manter-se-á inalterável com o passar do tempo”. “O meu companheiro deverá ser capaz de antecipar todos os meus pensamentos, desejos e necessidades”. “Se me amas de verdade esforçar-te-ás sempre por me agradar”. “Amar significa nunca me aborrecer com o meu companheiro”. “Amar significa estarmos sempre juntos”. “Os níveis de sexo, carinho e compromisso presente na nossa relação não diminuirá nunca”. “Devemos estar sempre de acordo em qualquer tipo de assunto”.
Todos estes fatores, além de provocarem uma grande decepção com o relacionamento, impedem a resolução dos conflitos e a adequada evolução da relação conjugal.
REFERÊNCIAS ANDOLFI, M. A Crise do Casal: uma perspectiva sistêmico-relacional. Trad. Lauro Kahl e Giovanni Menegoz. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.ANTON, I. L. C. Homem e Mulher: seus vínculos secretos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.KELEMAN, S. Mito & Corpo: uma conversa com Joseph Campbell. Trad. Denise Maria Bolanho. São Paulo: Summus, 2001.KROM, M. Família e Mitos. Prevenção e terapia: resgatando histórias. São Paulo: Summus, 2000.RELVAS, A. P. O Ciclo Vital da Família. Perspectiva Sistêmica. Porto: Edições Afrontamento, 1996.
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